quinta-feira, 17 de junho de 2010

Contons do Vigário 20

Apaixonei-me 


      Era uma tarde de neblina quente. Eu andava onde os passos, as vontades e os à-vontades me comandam. Reparo no que há de novo e oiço a música que quero a trautear na minha cabeça. Vejo as pessoas nas suas rotinas, comento para comigo sobre tudo e mais alguma coisa. Chego a rir-me sozinha e a levar com o olhar de dois ou três velhos pregados na minha nuca como se fosse uma encarnação de Satanás.
      Ia então eu no meu deambular normal quando por mim passa um rapaz de andar desengoçado.  Páro, ajeito os sacos na mão e dou comigo a corar.
      Um rapaz de olhos pequenos e imensamente castanhos, uma barba em desalinho que lhe cobria toda a cara de supostamente homem feito. Um cabelo despenteado de um tom preto brilhante e cativante.
Embatuquei na presença daquele ser. Sento-me num banco verde, por debaixo de uma qualquer árvore de grande porte, e tento descobrir como se respira.
      Ele continua o seu caminho, no seu mundo, e sem despregar os olhos da revista que levava aberta nas páginas iniciais. Mais nenhum transeunte repara nele. Ele também não repara em mais ninguém e duvido que mais alguém lhe interesse.
      Não caio no desejo de o seguir.
      Agora, passo mais vezes do que o necessário à frente daquele quiosque na esperança de o voltar a ver.
      Na esperança de me voltar apaixonar à primeira vista.
      Vezes e vezes sem conta.




Kiara Minerva

1 comentário:

  1. Todos os limites á compreensão humana encontram apenas um obstáculo: as paixões. Estas , por seu lado, são revestidas de varias formas, sabores e nomes, mas no fundamental são sempre peremptórias: movem e sacralizam o mundano e material sentido da vida.

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