quarta-feira, 17 de março de 2010

Contos do Vigário 9

Ciúme

Já não sei se gosto de ti, se te bato, se te beijo, se te mordo. Eu já não sei o que hei-de fazer ou sentir. Já não sei o que quero de ti, o que quero de mim. Já não sei de ti na confusão de amores no meu coração.
Todos os dias morro um bocadinho. Pelos ciúmes que tenho de quem fala contigo. De quem guarda segredos contigo, em caixinhas de memórias. De quem fala contigo sobre planos futuros e aventuras impossíveis. De quem te conta desgraças e alegrias. De quem toma um café, de quem te convida para jantar ou para ir ao cinema partilhar contigo (sempre contigo!) um pacote de pipocas. Morro sempre, todos os dias, um bocadinho por este amor que tenho por ti.
Já não sei se te abraço, se te desprezo, se te acordo. Já não sei se te quero, se te deixo para uma próxima. Já não sei o que te sorrir, o que me sorris. Já não sei de ti no labirinto desta paixão.
Todos os dias te vejo rodeado de gente de quem gosto. De quem tu gostas. De quem eu não suporto que gostes. Todos os dias esmago os meus ciúmes guardados num átomo, bem comprimido, junto à veia-cava. Todos os dias, tudo isto, sempre, todos os dias.
Já não sei.
Um dia, e para todos os dias: eu hei-de saber!

Kiara Minerva

6 comentários:

  1. Como é agradável esse ímpeto sentimento que te consome. Diria que é escatologicamente o grande drama da humanidade, que encontra a sua solução na genealogia que o caracteriza: para além de toda a acção (portanto dentro dos cânones da ausência desta) é um individualismo estrutural (não confundir com um estruturalismo, ou mesmo com um historicismo dialéctico). Não assombremos o individualismo com um esfrangalhado egoísmo.
    De entre toda a tua preocupação com o outro centras o que te é mais querido em ti, e só aqui encontras o teu verdadeiro ente que, de forma mais ou menos apreendida, se reflecte num significado multifacetado: o prazer de gostar.
    Só acredito no que dizes, pela forma como o descreves: o sentimento é tanto mais verdadeiro quanto mais de nós consome. Digamos que só um processo reflexivo nos permite sentir. Que se desenganem os todos poderosos da filosofia, por norma pessimista, do “amor egoísta”: o poder de amar é tanto mais credível quanto pomos parte de nós no outro. E que outro ambicionamos senão um prolongamento do self.

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  2. Sempre que uma alma se tenta proteger do incontrolável, o ser humano experiência os sentimentos mais genuínos, mais poderosos, mas também mais perigosos que conhece... Nem sempre é fácil manter a sanidade no momento em que eles surgem... São breves dissociações do ser que, humanamente, ama... Incondicionalmente, deseja... E geneticamente se auto-protege da perda que pode acarretar a solidão sentida ou percebida... Mecanismos inatos que nos trazem a complexidade que nos encanta nos outros e nos permite o desabafo sincero... O resultado?! Palavras que, quando lidas, impossibilitam a indiferença...

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  3. ò Kiara, esses manos ai em cima devem querer alguma coisa contigo!! Não sei, mas cheira-me que esses garotos(as) querem brincar ao esconde-esconde contigo...

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  4. Caro Anónimo (que não o Real) como de costume dar-te-ei um nome. Para mim és o Pai Natal, acho uma falta de educação toda a gente escrever para o Santa Claus e ele nunca escrever para ninguém.
    Gostei do que disseste (se bem que tive que reler uma data de vezes) e sobretudo, gostei, o facto de não acahres egoismo aquilo que descrevo. No entanto, terás que me explicar melhor a conversa do individualismo. "Que se desenganem todos os poderosos da filosofia" foi um pequeno toque de requinte =P

    Zeus, pela primeira vez elogiaste (ou eu tomei como elogio) a minha escrita. Ando aos saltinhos de contente por esta casa fora. Gostei muito do que disseste e acho que o descreves-te melhor que eu. Mas será assim para todo o tipo de sentimento? Olha, por exemplo, o ódio: nem a genética nos auto-protege de um ódio visceral!

    Tio Chinquilha, eles(as) andam-se a esconder com o rabo de fora =P

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  5. Li com atenção o que escreveram acima, senhores pseudo-intelectuais, e tenho uma coisa a dizer:

    o Álvaro de Campos é o maior gato!!

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  6. O ódio, Kiara?! Encaro-o também como um mecanismo de auto-defesa... Tudo em nós faz sentido, tem uma razão biológica de acontece... Implica uma transformação no nosso corpo, sendo, por isso, sempre uma resposta a algo! O ódio é o ataque... Quando a fuga parece menos vantajosa, luta-se! Simplesmente há seres que preferem mais vezes lutar que outros... Ou que, mais frágeis, vivenciam mais acontecimentos como ataques e, assim, protegem-se o melhor que sabem!
    Mais uma vez, o mais sentido, torna-se também o mais perigoso!

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