Tenho um amigo que nasceu romântico. São azares. Há quem nasça coxo, estrábico ou franzino. Este meu amigo nasceu com um grande mal para o qual ninguém arranjou solução. Nasceu para fazer serenatas, para se ajoelhar perante um bar cheio de gente e pedir a mão da rapariga para uma dança. Nasceu para amar demais. Ele, esse meu amigo, nasceu para encher quartos cheios de flores (sabe as preferidas de todas nós), nasceu para grandes amores.
Já lhe disse (ainda ontem o avisei) que se deixasse disso. As miúdas por quem ele se apaixona loucamente vão atrás dele por acharem graça ao cabelo despenteado, ao porte atlético, ao sorriso contagiante. Fartam-se das loucuras dele. Fartam-se que ele as rapte para as levar à praia numa tarde chuvosa. Fartam-se que ele as surpreenda com um jantar feito por ele, com direito a comédia romântica, enroscados no sofá.
E ele sofre. E pensa sempre noutra maneira de as (re)conquistar. E lá vai ele ao fim do mundo, se for preciso, buscar-lhes uma pedra preciosa ou uma flor exótica. E eu vou-lhe dizendo que se deixe disso. Que não se canse atrás das estrelas que vigiam os sonhos delas. São sempre elas e as loucuras dele.
Mais uma vez, a rapariga que ele tinha a certeza de ser a tal, disse-lhe que não às cartas de amor (ridículas, pois!), disse-lhe que não às surpresas, que não aos carinhos em público, que não aos beijinhos de rapaz.
E, como sempre, ele veio ter comigo a chorar. E eu disse-lhe que já o tinha avisado. Que ele se esforça demais. Que vive demais. Que se apaixona demais. E ele, com o tal sorriso entre as lágrimas, pediu-me a chave de minha casa.
A parede do meu quarto está coberta de folhas de papel A4 onde ele, o meu amigo, escreveu tudo o que gosta em mim, tudo o que já lhe disse de importante, todos os favores que lhe fiz. Está coberta de flores desenhadas (as minhas papoilas), está coberta de cores diferentes, está coberta com os meus sonhos. Com desenhos que retratam as nossas tardes de conversas entre cigarros, que retratam as nossas noites de sexta com manjares inventados por nós.
Fez um mural com a nossa vida. É ele, o meu amigo, que nasceu com a doença romântica de ter um coração grande demais.
Kiara Minerva
Nunca nenhum de nós pode ter a enorme pretensão de deixar de ser quem, por essência, azar ou vida se torna realmente!!! Nenhum dos nossos amigos, aqueles que são, mais que isso, companheiros de vida, pode, por muito que sofra connosco, ajudar-nos nessa tarefa de mudança!!!
ResponderEliminarSomos quem somos!!! E se o nosso livre-arbítrio e o nosso exercício de auto-análise eterna assim o permitirem aprenderemos, mais cedo ou mais tarde, a lidar com isso de forma vitoriosa! Até lá teremos sempre os quartos, as conversas intermináveis entre cigarros e as noites de sexta-feira dos nossos companheiros de vida para enchermos com pedaços das nossas doenças mais profundas e incuráveis... Aquelas que somos nós em essência, azar ou vida!
Kiara, tens um amigo muito especial e descreveste-o de forma brutal! Orgulha-te de ti, dele e do que vocês por essência, azar ou vida conseguiram construir em conjunto, por obra das vossas doenças mais profundas e incuráveis!!!
Zeus,
ResponderEliminarsim, tenho um amigo espetacular. Não o queria criticar ao escrever o que escrevi, antes pelo contrário, queria-lhe dizer que gostava de ter a coragem que ele tem para amar quem ama.
E quanto às doenças incuráveis, acho que tanto eu como ele, já nos habituamos às dores crónicas que nos trazem =)
Qualquer uma desta sexta, juntas-te a nós?
Quem sabe...?! Também eu tenho um montão de doenças crónicas para partilhar numa parede de um qualquer canto de uma casa ou de uma vida...
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