sexta-feira, 25 de junho de 2010

Contos do Vigário 21

O Velho

Todas as aldeias têm um largo central. Um largo de onde se avista a
Junta de Freguesia, um largo onde está a tasca mais antiga, um largo por
onde passa quem quer chegar aos autocarros. A minha aldeia não é
excepção. No largo da minha aldeia (actual Largo 25 de Abril, antigo Largo
Cardeal Cerejeira) há um banco por debaixo de um grande plátano. Todos os
dias, nesse banco, está sentado o Velho.
O Velho sempre foi velho. Sempre o conheci curvado, enrugado e já
surdo. Sempre o conheci de boina, colete e calças pretas. Sempre o conheci
no banco do largo. Sempre, independentemente do tempo e da companhia.
A esse velho todos chamam o Velho-que-espera porque, diz a minha
Avó, ele sempre se sentou à espera. A minha Avó diz que já no tempo em
que, ela era nova e o Velho ainda não era velho, ele esperava no banco do
largo.
A verdade é que sempre que passo no largo, esteja frio ou calor, faça
sol ou chuva, o Velho está sempre ali sentado à espera. Sempre à espera.
Ninguém sabe do quê, mas à espera. Das horas passarem, do tempo passar,
à espera de alguém, de ninguém...
O Velho sabe de tudo o que se desenrola no largo, de tudo o que se
passa na aldeia. Mas isso pouco lhe interessa, e não lhe traz a paz da
espera. Todos têm opinião sobre o que ele espera. Todos proferem as suas
sentenças, as suas previsões, expressão os seus pensamentos, mas
ninguém sabe. Todos esperam pelo dia em que o Velho vai deixar de esperar.
Um dia, com o Sol por entre as nuvens, o Velho levantou-se e falou.
Falou: “Toda a minha vida esperei, é certo. Toda a minha vida me disseram
que eu tinha de esperar. Esperei que me ensinassem a ler, esperei o tempo
necessário até crescer tudo, esperei que me enviassem para a tropa. Na
tropa esperei não voltar, esperei morrer, esperei as cartas da minha Mãe,
esperei não sofrer. Voltei para esperar. Esperei pelo meu amor, que me
apareceu neste largo. E esperei que dissesse sim ao meu pedido. Esperei
pelo nascimento dos meus filhos. E esperei que eles não tivessem que
esperar. Esperei toda a vida ter dinheiro para os mandar para longe daqui,
para onde pudessem estudar, para onde não tivessem de esperar, para onde
pudessem ser eles a procurar. Toda a minha vida esperei a minha vez, nunca
passei à frente de ninguém. Esperei morrer primeiro que a minha mulher.
Esperei enganado. Desesperei-me de esperar.”
Disse isto e sentou-se no seu lugar, no banco do largo. A multidão que
se tinha juntado para o ouvir, ficou à espera. Mas o Velho apenas tirou a
harmónica e tocou. Tocou toda a tarde, até serem horas de toda a gente ir
para casa.
No dia seguinte o Velho não apareceu. Toda a gente esperou por ele.
Encontraram-no morto, deitado junto à campa da mulher, vestido como
sempre. De boina posta, de harmónica nos lábios.
Ninguém esperou pela última nota da vida do Velho. Nem ele.

Kiara Minerva

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