sábado, 5 de junho de 2010

Contos do Vigário 18

Sobre ti


Não sei o que sinto. Sei-me confusa. Sei-me ali, bem longe dos outros.
Não sei o que escrevo. Sei o que quero dizer ao mundo, mas não por palavras. Nem por gestos. Nem por desenhos ou pinturas abstractas. Nem em tons musicais ou em histórias de outros.
Se te digo que te quero é porque minto. Se digo que te quero longe, ofuscado, tremido e no escuro, também minto. Quero-te em aconchegos comigo. Quero-te sorridente no meio de nós. Quero-te em segredos para mim. Quero-te simples e descompremetido, em sociedade.
Tenho ciúmes quando te vejo em conversas complicadas e empreendedoras com outrém. Não tenho ciúmes quando te vejo brincar e divertir mais alguém.
Não te quero só para mim. Não te quero só para os outros.
Quero-te para mim aquilo que não és para mais ninguém. Quero-te para mim em segredo.
É por isto que não te amo? Que te amo? Que te gosto? Que não te quero? Que te invejo? Que te odeio?
Eu sei o que sinto. Só não sei a ordem. Só não sei a intensidade. Só não sei de TI!



Kiara Minerva

7 comentários:

  1. Só queria que alguém me desprezasse e odiasse tanto que pudesse amar em metade, como ama (será?) quem escreveu estas linhas.

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  2. Nunca se ama em metade, pois não? Quando se ama, ainda que de forma disfarçada, envergonhada, por dentro enraivecida, ama-se sempre por inteiro!!! Difícil é ter a humildade de o afirmar... O amor não é neutro, tão pouco será alguma vez estanque ou desprovido de multiplicidade de emoções... Amar pode ser odiar, querer, fugir, desprezar, implorar... Amar é sempre um acto egoísta... Só assim conseguimos superar-nos pelo desconhecido que nos amedronta e fazer alguém tão especial quanto nunca o será realmente. Com alguma sorte (e, não raras vezes, esforço) somos correspondidos e, pelo menos por um instante, a pessoa mais feliz do mundo!!!

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  3. Górgeas, antes de mais, vou ter o abuso de te perguntar o porquê do nome? Já estive ali de volta do Wikipédia, mas a verdade é que a mitologia me baralha. Se me puderes ajudar, agradecia...
    Fizeste uma boa pergunta: será que ama? Fico com a sensação que não...

    Zeus (já tinha saudades tuas) sim, amar é amar, não há cá meios amores, no entanto, percebe-se onde quer chegar o Górgeas. Tu não consegues dizer que amaste (ou amas) mais umas pessoas que outras? Não me parece assim tão estranho... Agora, o ponto fulminante do teu comentário, a meu ver, é o facto de dizer que não são raras as vezes em que se é correspondido. Moço, bem sei que és Zeus, mas mesmo assim, como é que consegues isso? No meu mundo, são raras as vezes em que se é correspondido, e tinha a sensação que no Olimpo se passa a mesma coisa, mas como já disse, a mitologia baralha-me.

    Obrigado aos dois :)

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  4. Bem Kiara,

    Górgeas é apenas uma pequena brincadeira, ou provocação, ao sentido da filosofia e sobretudo da retórica.

    Zeus, tens razão o amor só existe por inteiro. E nunca quis dar outro sentido as minhas palavras, para além de jogar com elas, na busca de um segundo sentido: amar em metade é escolher o outro lado do amor!

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  5. Cara Kiara... O "não raras vezes" remetia-se ao esforço... que também se encontra entre parênteses!!!

    Ser correspondido é, muitas vezes, um pormenor da peça fundamental!!! Além do que, se tivermos em conta todas as formas de amar, na maioria delas sim, considero que somos verdadeiramente correspondidos!!! Não vejo o ser humano como um ser tão masoquista quanto isso!!! Se não fosse, na maioria das vezes correspondido, porque continuaria a amar?

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  6. Se me permites Zeus, o Homem comporta numerosas acções que não tem de ter um fim em si, sendo por isso muitas vezes inconsequente e outras tantas errantes. Mais, no que aos valores e emoções diz respeito não existe uma relação casuística entre efeito – motivo. Portanto, mesmo não sendo correspondidos na maior parte das vezes (não quero com isto dizer que o não sejamos) o ser humano pode apenas desfrutar do sentido estético do amor.

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  7. Senhores, desculpem-me a intromissão na vossa "discussão", mas o Górgeas tem razão. Até porque aqui não se falava de o chamado amor incondicional (pais-filhos, entre irmãos, entre amigos - não que estas não exijam esforço e dedicação,mas não é disso que se fala aqui) falava-se sim do amor que nós criamos/lutamos/nutrimos por alguém pelo qual não temos que ter. Por alguém, que por mil e uma razões, nos chamou a atenção. E se não somos correspondidos umas vezes, somos outras, e isso chega para que não paremos de lutar, porque sabemos qual o "resultado final". Amar e ser amado é tão bom que vale a pena todo o esforço que nesse amor se deposita.
    Por vezes temos que racionalizar, mas a maior parte das vezes não o fazemos, acabando por fazer exactamente aquilo que o Górgeas diz, não temos atenção à relação efeito-motivo ou à relação causa-efeito.

    Zeus, quantas vezes te apaixonaste e não foste correspondido? Desistes-te do amor? Voltaste-te a apaixonar?

    Até porque como diz o poeta Carlos Drumond de Andrade em As Sem Razões do Amor:

    "Eu te amo porque não amo
    Bastante ou demais a mim.
    Porque amor não se troca,
    Não se conjuga nem se ama.
    Porque amor é amor a nada,
    Feliz e forte em si mesmo."

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