Avó
A minha Avó é uma grande Mulher. Ninguém a demove, tem ideias fixas, e nem por nada fica para além das 6 da manhã na cama. Nem mesmo uma constipação, nem mesmo um febrão de 40 graus. Nem mesmo nós todos lá em casa. Muito menos nós todos lá em casa.
Quando éramos pequenos punha-nos de castigo na despensa. Uma despensa que fazia um bico, onde ela nos sentava virados para a parede, no escuro. Depois, começavam a chegar mais castigados. E passado um bocado éramos mais dentro da despensa do que fora. Aí o castigo passava a ser outro, um estalo a cada um e um olhar zangado que nos doía na alma. Sempre proibiu balões porque o pequenito se assustava. Também nunca tivemos brinquedos em casa dos Avós, só um porta-aviões de plástico para brincarmos no banho. Esse barco ainda continua na casa-de-banho grande. Agora serve para as brincadeiras dos outros pequenos. As brincadeiras tinham que vir da nossa imaginação. Por causa disso, partiu-se um estendal da roupa e algumas jarras. E as enciclopédias do Avô serviam de tijolos para os nossas barricadas em guerras tenebrosas de almofadas.
Em casa dos Avós há sempre sopa. Nem que lá fora esteja o pior dia de calor de que há memória. Ninguém se levanta sem comer a fruta, nem sem pedir licença à Avó. Tenhamos nós 5, 15 ou 45 anos. Respeito é respeito.
Eu trato a minha Avó por tu, não por falta de respeito, por proximidade. E agora, que o tempo dos castigos já lá vai, a minha Avó pega em mim e leva-me para o quarto de costura para que lhe conte as novidades. E eu invento novidades, e aventuras, e conto-lhe de namoros que não tenho. E ela fica feliz, e diz-me para que tenha juízo, com um sorriso trocista nos dentes. Pede-me para que conte pormenores. E eu também os invento, contando coisas que ela não pôde fazer porque os tempos eram outros.
Agora, a minha Avó está doente, e desta vez são mesmo 3 semanas de cama. Nem que a vaca tussa. E eu telefono-lhe todos os dias, e falo com o meu Avô que me diz que ela chama por nós. A mim, a minha Avó só diz que está melhor, e que já faltam menos dias para a consulta que lhe dará (ai do médico que não dê!) alta.
Já não vejo a minha Avó há muito tempo. E a saudade cresce. Do seu cheiro, da sua comida, do seu cabelo branco. Do seu sorriso trocista.
A minha Avó está doente, e já não há sopa lá em casa. A minha Avó está doente e já não se senta à mesa. A quem peço licença?
Kiara Minerva
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
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