Encontro
Ainda tinha 10 minutos. Assim só chegaria com 20 minutos depois da hora combinada. O tempo certo para não parecer que estava atrasada e ainda assim não ter que esperar por ele.
Tinha saído do escritório meia hora antes do que devia. Tinha se presenteado com todo o tempo. Quis preparar-se com toda a pompa e com toda circunstância que um momento daqueles merecia.
Descalçou-se ao chegar a casa. Passou a mão pelo pêlo do gato e entrou em acção. Escancarou o armário do lado dos vestidos. Passou o dedo por todos. Decidiu-se pelo preto, o que lhe ficava ligeiramente acima do joelho. Passou-o a ferro com todo o cuidado, ao som de um jazz molengo a tocar lá ao fundo na antiga aparelhagem do pai. Trauteou a música ao sabor do vapor e do ronronar do gato. De seguida deixou-se tempos e tempos no banho. Imaginou como seria o encontro que estava para vir. Imaginou o que levaria ele vestido, se lhe levaria alguma coisa. Do que falariam. Que silêncios os incomodariam. Que risos envergonhados. Com quantos copos de tinto ficaria ela solta.
Levaria o cabelo solto? Apanhado só com dois pequenos ganchos? Com um elástico? Ponderou. Experimentou e deixou os caracóis acastanhados soltos. Maquilhou-se com requinte e com tempo. Sempre com tempo. Pegou no rímel e abusou. Lápis preto e baton muito ao de leve nos lábios já de si imensamente vermelhos. Vestiu-se e calçou os seus novos sapatos de salto (12cm) amarelos. Lindos que só eles. Em saldos. Uma compra da qual sentia um orgulho emergente.
Brincos e pulseiras discretas, de cores em tom de prata. Não queria chocar. Passou tudo para a mala, também ela amarela. Também ela em saldos. Mas da irmã, com muita pena. Chaves, carteira, lenços de papel, chaves do carro, bolsinha com o essencial e um pouco mais de tralha.
Ainda tinha 10 minutos. Ligou a televisão e continuou a pensar em como seria o resto da noite.
Levantou-se e saiu de casa. Chegou à rua e começou a andar com um passo determinado, como o momento o exigia. Enquanto isso, ia mal dizendo a calçada. Ia insultando a tradição que lhe dava cabo dos 12 cm de elegância.
Chegou ao restaurante. Entrou. Ele não estava na mesa. No passo seguinte, determinado, e em direcção à mesa, caiu de cima dos seus 12 cm de beleza.
Kiara Minerva
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
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Pra que era?
ResponderEliminarEra pro...xeneta
Mira
Bom, muito bom Mira!!! Será publicado em breve!!! Um abraço
ResponderEliminarMais uma vez. umtexto transcendente que nos ajuda a percorrer este caminho tãoi dificil, que se chama vida!!! O nosso muito obrigado pela colaboração Minerva!!
ResponderEliminarOlha tão sentimental que ele está :P
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